15.12.11

Dois parágrafos de um longo estudo sobre a arte do Fiódor Mikháilovich Dostoiévski (1821-1881) tratando dos aspectos centrais na obra desse Homem inspirado pelo Transcendente ( Deus, a saber)


Todos os romances de Dostoiévski versam sobre a relação do homem com Deus. Em Crime e Castigo, o tema principal é o mistério da ressurreição de um homem morto pelo pecado; em O idiota, é o mistério da natureza divina de Cristo como condição única e necessária de sua missão salvadora (nem o homem mais "positivamente belo" tem a condição de tornar-se salvador para os próximos); e Os demônios, é o mistério da Encarnação da Palavra -- é verdade que esse permaneceu basicamente nos manuscritos preparatórios do romance --, porque o texto principal manisfestou-se no tema da essência funesta da impostura e da substituição da verdade divina por uma "teoria" terrena qualquer; em O adolescente, segundo precisa observação de T. A. Kassáktina, trata-se das relações filias do homem com o Pai: da dependência servil em face do mais sórdido símbolo material da ligação entre os homens (o dinheiro), acarretando a perda dessas relações e o ganho da liberdade com o seu restabelecimento (embora, é claro, todos os temas acima referidos estejam presentes em diferentes graus em todos os romances).

No romance Os irmãos Karamázovi, testamento de Dostoiévski, o tema principal é a descida do Espírito Santo sobre os homens. Como escreve o teólogo russo V. N. Losski, a causa de Cristo está voltada para a natureza humana em seu todo, a causa do Espírito Santo, para cada pessoa humana em separado, ressaltando-a "pela marca da relação pessoal e singular com a 'Santíssima Trindade' isto é, revelando ao homem a verdade e permitindo-lhe entender que 'a vida é o paraíso'  ", como diz o stáertz Zossíma. Essa trajetória é percorrida no romance pelas personagens Márkel, Zossíma, o visitante mistérioso, Dimitri, Ivan (em perspectiva) e, é claro, Aliócha. Segundo o plano de Dostoiévski, eram precisamente a trajetória e o exemplo de Aliócha que deviam tornar-se o ponto de referência para todas as futuras gerações de leitores em sua vida autêntica durante a leitura do romance. É precisamente assim mesmo que eu compreendo a afirmação peremptória da modalidade de tempo -- o "momento presente" --, que no prefácio ao romance Dostoiévski endereça ao leitor concreto:
O romance principal é o segundo: a atividade de meu herói já em nosso tempo, precisamente no tempo corrente de nossos dias.

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Sobre Karen Stepanyan

vice presidente da Sociedade Russa de estudos de Dostoiévski, redator-chefe da revista-almanaque Dostoiévski i mirovaia kultura (Dostoiévski e a cultura mundial), representante da Rússia na International Dostoievski Society (ISD) , membro da União de Escritores da Rússia, professor do Instituto de Literatura Univeral e colaborador da revista Znâmia.  

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