18.8.09

Jó e outros ecos

Da Critica da Razão Pura até a Critica da Razão Cínica, i. e., do século do idealismo alemão (XVIII-XIX), até o século XXI, no seu discurso de pós-modernidade e pós-cristianismo, o que fica, mesmo para quem sequer leu a introdução daquele feixe hermético kantiano ou ainda do trabalho de fôlego do contemporâneo Peter Sloterdijk, é a própria critica.

O que faz esta forma de expressão tão comum ao senso comum não ser tão só mais uma expressão comum, – pergunta. Resposta: seu objeto. Em Kant ou em  Peter Sloterdijk  o que dá nobreza a questão repousa no que acena, no que aponta em staccato ou não: o Homem que, desde sempre, é questão pouco compreendida, muito investigada e quase nunca alcançada no seu fulcro, cerne, centro.

O que em nossa mente raciocina é o amor, no dizer/citação de Ezra Pound naquele canto famoso: e dizer Amor é desviar o foco a uma dimensão mais compreensível pelo que de sensível há em dizer humano, em dizer Homem, como quem quer delimitar um problema demasiado espinhoso com outro igualmente problemático. 

Dizer Homem ou Amor não é tão somente evocar uma escusa para critica: é situar o sujeito num lugar de tensão fecunda (απορια), onde os pólos daquilo que o inquieta nos faz junto a Santo Agostinho afirmar: "fizeste-nos para Vós e inquieto está o nosso coração enquanto não repousamos em Vós" ou "meu peso é o amor porque com ele sou levado para onde sou levado": aqui, a saber, o motivo de nossa inquietação: a Dor para Jó.

Antes mesmo que Ovídio lamentasse sua desgraça:

“Donec eris Felix, multos numerabis amicos.
Tempora si fuerint nubila, solus eris”
Tristia, I, 9, 5-6

Ou aquele imperador famoso lamentasse com seu servo o dia perdido: “amici, diem perdidi”, ou Hilda Hilst (citando/evocando Simone Weil) blasfemasse no seu belíssimo Poemas Malditos, Gozosos e Devotos onde aquela no mesmo abismo buscasse fundo naquela.

Ou até mesmo a fria Marguerite Yourcenar assumisse em entrevista que viria a tornar-se livro mais tarde a Matthieu Galey ou no seu igualmente clássico Peregrina Estrangeira, obra póstuma, a falta de fé que é outro nome para dizer o problema deste texto aparentemente confuso: (é estilo, acredite em mim). 

Ou o filosofo da juventude inquieta (Nietzsche) em sua sanha-trauma anticristã nos perturbasse: a voz agoniada de Jó já se fazia ouvir de cima do monte de fezes, furúnculos e beleza, no tema eterno e para o tema eterno.

Aquela voz que não é trágica como já explicou Emmanuel Carneiro Leão pelo que há de “esperançoso” no fundo da questão: o Deus que lhe amolece os ossos é o Deus que ele ama em suas delicias, em suas doçuras como já ironizado em Clarice Lispector.

A questão, caríssimos, é a Dor: que justifica como o Amor, muitas misérias. Exceto o medo que impede do lançar-se, colocar-se no caminho, nessa senda escura (Vida), e que neste desconforto do estar no mundo faz desabrochar todo o sentido.

“Pele por pele!, – respondeu Satanás. O homem dá tudo o que tem para salvar a própria vida.” (Jó 1, 4) é o que diz o primeiro filosofo da história: talvez e  ainda naquela questão pelo Homem do segundo parágrafo.

Para alguns a palavra de ordem é magnanimidade, para outros, aquele desatino infeliz, como na bela película 7 Pounds que em português pode ser vista por 7 Vidas.

P.S.:

O que diz Vossa Reverencia da dor, poderia dizer também da alegria.
Eu sei... Tive também minhas alegrias... Toda alegria inocente é uma migalha que nos restou do Éden... Mas a alegria não precisa de nós Sebastião. É a dor que requer nossa caridade...

A Obra em Negro, M. Yourcenar, Ed. Nova Fronteira, 1981, 3ª Ed. Trad. Ivan Junqueira.

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