“Arrasa o campo e as ledas sementeiras”
A.
Há uma pergunta e uma resposta no poema do Eliot. A explicação mais óbvia é sempre a explicação mais fácil: nem sempre a mais correta; todavia, sempre a mais acertada; quase sempre, na verdade. Mas a maioria das pessoas, admitamos, não prefere a resposta mais acertada, a mais óbvia, clara ou mais correta. O leitor certamente concorda que há e sempre houve muitas versões para um mesmo acontecimento, para o mesmo problema. Se assim este leitor preferir: qual a pergunta? qual a resposta?
"My nerves are bad to-night. Yes, bad. Stay with me.
Speak to me. Why do you never speak? Speak.
What are you thinking of? What thinking? What?
I never know what you are thinking. Think.”
I think we are in rats’ alley
Where the dead men lost their bones.
“What is that noise?”
The wind under the door.
“What is that noise now? What is the wind doing?”
Nothing again nothing.
“Do
You know nothing? Do you see nothing? Do you remember
Nothing?"
Estamos no beco dos ratos é uma resposta? É a resposta? Estamos no beco dos ratos e com os ratos? Ou, ousaria mais: Quem são os ratos? Quem somos nós?
Na verdade, para soar mais honesto, é preciso admitir que há mais perguntas do que respostas. Todos nós sabemos que a mente ocidental funciona na maioria das vezes à base do binarismo, (o sistema Windows é o maior reflexo disso). Alguém dirá: pessoas têm sentimentos. Pessoas se machucam. Pessoas fazem perguntas... Outro dirá: Ou isto ou aquilo:
“Do you remember
Nothing?”
B.
“Eu, Tirésias, embora cego, palpitando entre duas vidas,
Um velho com as tetas engelhadas, posso ver,
Nessa hora violácea, o momento crepuscular que luta
Rumo ao lar, e que do mar devolve o marinheiro à sua casa”
De fato é a voz de um pagão que ressoa em todo o texto, isto é o mais óbvio. No entanto, o poeta, um homem aparentemente convertido, pode, usando de uma técnica assustadoramente genial, citar Santo Agostinho porque o poeta enxerga para outro tempo. Diz o que aconteceu no passado (espaço); embora, junto ao passado, dialogue com o futuro (tempo) sobre assuntos eternos (e diversos) para os homens modernos, esquecidos e no beco dos ratos (aí sim no presente): qual é a resposta?
C.
É preciso recordar ainda mais uma coisa: Tirésias não está apenas vivo ou morto: está entre a vida e a morte. Dizer vida e dizer morte é a ponta óbvia da coisa: dizer vida-e-morte é o mais honesto e, portanto, mais acertado.
“... eu não sabia
Se vivo ou morto estava, e tudo ignorava”
I, O Enterro dos Mortos.
No lugar-incerteza.
O poema é divido em cinco partes e na terceira parte (recorde que a commedia como o catecismo, como o mistério da trindade tem três partes), no sermão do fogo, a voz de Santo Agostinho (o grande pagão e convertido) é evocada entre chamas.
"To Carthage then I came
Burning burning burning burning
O Lord Thou pluckest me out
O Lord Thou pluckest
burning"
III. The Fire Sermon.
O poema não é somente pessimista ou otimista, ou mesmo niilista: é lúcido e a lucidez é algo demasiado estranho para esses dias cinzentos (perdoem outro lugar-comum).
Nota: Não é possível ler Eliot (com alguma qualidade) sem antes tentar compreender o que o mesmo compreendia por tradição. E, obviamente, inserido na cultura americana ou ainda naquela mente elisabetana.
D.
Em qualquer lugar do mundo discutir sobre vida e morte é observado com algum cuidado: mas o Brasil não é um lugar no mundo como os outros lugares do mundo: é uma terra de semianalfabetos onde todo movimento inteligente é perseguido como ameaça e, quase sempre, tomado como ofensa pessoal. É o país do mensalão e do vôlei. Ou ainda, do vôlei e do mensalão.
E.
Tudo o que é sólido desmancha no ar
Desde que Eliot apoiou e construiu seus versos sobre os escombros de certa ponte inglesa que desabava, esta tal ponte jamais deixou de cair: vale recordar que há passagens no poema onde o poeta discute, inclusive, questões ambientas:
“O rio não suporta garrafas vazias, restos de comida,
Lenços de seda, caixas de papelão, pontas de cigarro
E outros testemunhos das noites de verão.”
III, O Sermão do Fogo.
Discute aborto e, num tom de filme de terror, revela o terror de uma época em guerra e do que pode fazer está mesma guerra ou a exploração do homem pelo homem ou pela economia, a posteriori.
F.
O poema foi corrigido por Pound: todos sabem disto. Veja a parte do poema que mais sofreu intervenção do touro americano:
G.
Pound via Eliot via Ivan Junqueira
Flebas, o Fenício, morto há quinze dias,
Esqueceu o grito das gaivotas e o marulho das vagas
E os lucros e os prejuízos.
Uma corrente submarina
Roeu-lhe os ossos em surdina. Enquanto subia e descia
Ele evocava as cenas de sua maturidade e juventude
Até que ao torvelinho sucumbiu.
Gentio ou judeu
Ó tu que o leme giras e avistas onde o vento se origina,
Considera a Flebas, que foi um dia alto e belo como tu.
H.
Pound via Eliot via Ivan Junqueira via Gilson Figueiredo
I.
É preciso admitir que nada mais terrível que um escritor infeliz. Os efeitos disto podem ser sentidos enquanto houver gente teimosa disposta a ler o que esta raça fracassada produziu: nesta lógica, o trabalho de Eliot (abstraindo todo discurso clínico que alguns insistem em recordar) é terrivelmente positivo. Certamente literatura não é uma espécie de “tetrafarmacon”: as pessoas não têm obrigação alguma de buscar cura espiritual ou psíquica em textos literários. Todavia e contudo, é necessário recordar que poetas são homens e estes funcionam melhor quando estão vivos. Produzem mais se estão vivos, melhor dizendo.
J.
O xadrez e o teatro estão presentes no poema: os jogos e o cinema. Uma enormidade de alusões a povos e culturas (algumas alusões claras, outras nem tanto assim). Desejaria ter mais tempo para escrever sobre o Tarot e a Ética em The Waste Land. O mundo material e o mundo imaterial estão versados neste poema que ainda não foi totalmente lido com o devido respeito que reclama. Eliot é muito mais que um poeta: é um homem. Homem no sentido mais alto e profundo que a expressão comporta.
L.
As referencias à botânica e às flores não devem ser omitidas. Às cores e à arquitetura: a impressão é que T. S. Eliot era um observador, cuidadoso, do seu tempo e do meio onde habitava. Há tanta solenidade em algumas passagens do poema e descrições que devemos nos indagar se de fato não há uma Liturgia do olhar em Thomas Stearns Eliot: outra questão de que me falta tempo para investigar.
M.
As referencias ao mito e à Idade Média no desejo de construir e demonstrar um mito contemporâneo é muito interessante no poema. Dizer isso, é lugar de curiosidade particular: se de fato há uma pós-modernidade, o poema do Eliot serve para mostrar que houve uma modernidade. São tempos muito parecidos: a mídia e a tecnologia são lugares centrais e separadores de águas para revisão dos tempos. Revisão de uma possível segunda pós-modernidade, inclusive.
N.
É curioso que embora o poema tenha alusões claras ao universo helênico, o drama de ideias se assemelhe muito mais (em essência) ao herói de Virgílio. O Virgílio criticado por Pound e Flaubert. Essa questão me remete ao modo de Eliot pensar a tradição como já dito na observação da letra C. Recordar a letra C obriga-me a continuar este irregular abecedário com um texto onde o próprio Eliot explica sua compreensão de tradição.
O. (ou ainda: uma explicação para a observação da nota C)
Tradition and the Individual Talent (1920)
In English writing we seldom speak of tradition, though we occasionally apply its name in deploring its absence. We cannot refer to “the tradition” or to “a tradition”; at most, we employ the adjective in saying that the poetry of So-and-so is “traditional” or even “too traditional.” Seldom, perhaps, does the word appear except in a phrase of censure. If otherwise, it is vaguely approbative, with the implication, as to the work approved, of some pleasing archaeological reconstruction. You can hardly make the word agreeable to English ears without this comfortable reference to the reassuring science of archaeology.
Certainly the word is not likely to appear in our appreciations of living or dead writers. Every nation, every race, has not only its own creative, but its own critical turn of mind; and is even more oblivious of the shortcomings and limitations of its critical habits than of those of its creative genius. We know, or think we know, from the enormous mass of critical writing that has appeared in the French language the critical method or habit of the French; we only conclude (we are such unconscious people) that the French are “more critical” than we, and sometimes even plume ourselves a little with the fact, as if the French were the less spontaneous. Perhaps they are; but we might remind ourselves that criticism is as inevitable as breathing, and that we should be none the worse for articulating what passes in our minds when we read a book and feel an emotion about it, for criticizing our own minds in their work of criticism. One of the facts that might come to light in this process is our tendency to insist, when we praise a poet, upon those aspects of his work in which he least resembles any one else. In these aspects or parts of his work we pretend to find what is individual, what is the peculiar essence of the man. We dwell with satisfaction upon the poet’s difference from his predecessors, especially his immediate predecessors; we endeavour to find something that can be isolated in order to be enjoyed. Whereas if we approach a poet without this prejudice we shall often find that not only the best, but the most individual parts of his work may be those in which the dead poets, his ancestors, assert their immortality most vigorously. And I do not mean the impressionable period of adolescence, but the period of full maturity.
Yet if the only form of tradition, of handing down, consisted in following the ways of the immediate generation before us in a blind or timid adherence to its successes, “tradition” should positively be discouraged. We have seen many such simple currents soon lost in the sand; and novelty is better than repetition. Tradition is a matter of much wider significance. It cannot be inherited, and if you want if you must obtain it by great labour. It involves, in the first place, the historical sense, which we may call nearly indispensable to any one who would continue to be a poet beyond his twenty-fifth year; and the historical sense involves a perception, not only of the pastness of the past, but of its presence; the historical sense compels a man to write not merely with his own generation in his bones, but with a feeling that the whole of the literature of Europe from Homer and within it the whole of the literature of his own country has a simultaneous existence and composes a simultaneous order. This historical sense, which is a sense of the timeless as well as of the temporal and of the timeless and of the temporal together, is what makes a writer traditional. And it is at the same time what makes a writer most acutely conscious of his place in time, of his own contemporaneity.
No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone. His significance, his appreciation is the appreciation of his relation to the dead poets and artists. You cannot value him alone; you must set him, for contrast and comparison, among the dead. I mean this as a principle of aesthetic, not merely historical, criticism. The necessity that he shall conform, that he shall cohere, is not onesided; what happens when a new work of art is created is something that happens simultaneously to all the works of art which preceded it. The existing monuments form an ideal order among themselves, which is modified by the introduction of the new (the really new) work of art among them. The existing order is complete before the new work arrives; for order to persist after the supervention of novelty, the whole existing order must be, if ever so slightly, altered; and so the relations, proportions, values of each work of art toward the whole are readjusted; and this is conformity between the old and the new. Whoever has approved this idea of order, of the form of European, of English literature will not find it preposterous that the past should be altered by the present as much as the present is directed by the past. And the poet who is aware of this will be aware of great difficulties and responsibilities.
In a peculiar sense he will be aware also that he must inevitably be judged by the standards of the past. I say judged, not amputated, by them; not judged to be as good as, or worse or better than, the dead; and certainly not judged by the canons of dead critics. It is a judgment, a comparison, in which two things are measured by each other. To conform merely would be for the new work not really to conform at all; it would not be new, and would therefore not be a work of art. And we do not quite say that the new is more valuable because it fits in; but its fitting in is a test of its value—a test, it is true, which can only be slowly and cautiously applied, for we are none of us infallible judges of conformity. We say: it appears to conform, and is perhaps individual, or it appears individual, and many conform; but we are hardly likely to find that it is one and not the other.
To proceed to a more intelligible exposition of the relation of the poet to the past: he can neither take the past as a lump, an indiscriminate bolus, nor can he form himself wholly on one or two private admirations, nor can he form himself wholly upon one preferred period. The first course is inadmissible, the second is an important experience of youth, and the third is a pleasant and highly desirable supplement. The poet must be very conscious of the main current, which does not at all flow invariably through the most distinguished reputations. He must be quite aware of the obvious fact that art never improves, but that the material of art is never quite the same. He must be aware that the mind of Europe—the mind of his own country—a mind which he learns in time to be much more important than his own private mind—is a mind which changes, and that this change is a development which abandons nothing en route, which does not superannuate either Shakespeare, or Homer, or the rock drawing of the Magdalenian draughtsmen. That this development, refinement perhaps, complication certainly, is not, from the point of view of the artist, any improvement. Perhaps not even an improvement from the point of view of the psychologist or not to the extent which we imagine; perhaps only in the end based upon a complication in economics and machinery. But the difference between the present and the past is that the conscious present is an awareness of the past in a way and to an extent which the past’s awareness of itself cannot show.
P.
Você leitor preguiçoso e monoglota (Hypocrite lecteur! — mon semblable — , mon frère!) veja a frase que melhor define a visão do poeta que não se limita apenas num exercício de forma cubista. Impõe compreensão mais completa sobre tudo o que se costuma afirmar.
Compreendendo o discurso cubista junto às mascaras africanas (a forma sintetizando todo ideal de modernidade ocidental) — numa possível leitura de Ezra Pound (e forçada) a contrapelo do Eliot — na releitura do Picasso da África que já no passado era o futuro.
De outro modo:
The Waste Land é uma pintura cubista?
1. Observar uma mascara africana é como ler o poema do Eliot.
2. Eis aqui uma descoberta arqueológica.
Ou ainda (e finalmente):
“No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone.”
Q.
"A Beleza é difícil" citou aquele: a Beleza reclama artificio: a dificuldade é tornar ela mesma mais acessível. Mais simples (não simplista, atenção). Eis a minha interpretação para o reverendo Eliot.
P.S 1.: As letras R, S, T, U, V, W, Y e Z foram censuradas por este que vos escreve por temor de enfadar o raro leitor.
P. S. 2.: Deus abençoe.
P. S 2.1.: Como compreender um poema que dialoga com fim e o começo? Um poema que evoca o Paraíso Perdido e Liturgia? O estar-pagão e o arrebatamento cristão? É ambíguo? Há diversas referencias amarradas ou sugeridas no texto (ou como pretexto) que de fato a questão: "Terra Desolada é um poema infinito?" não pode (nem deve ser desprezada :) Fiquem em paz queridos.
Errata: Onde se lê cinema, leia Teatro. Onde se lê terror, leia "modernidade."
Tirésias aparece a Odisseu , Johann Heinrich Füssli |
A.
Há uma pergunta e uma resposta no poema do Eliot. A explicação mais óbvia é sempre a explicação mais fácil: nem sempre a mais correta; todavia, sempre a mais acertada; quase sempre, na verdade. Mas a maioria das pessoas, admitamos, não prefere a resposta mais acertada, a mais óbvia, clara ou mais correta. O leitor certamente concorda que há e sempre houve muitas versões para um mesmo acontecimento, para o mesmo problema. Se assim este leitor preferir: qual a pergunta? qual a resposta?
"My nerves are bad to-night. Yes, bad. Stay with me.
Speak to me. Why do you never speak? Speak.
What are you thinking of? What thinking? What?
I never know what you are thinking. Think.”
I think we are in rats’ alley
Where the dead men lost their bones.
“What is that noise?”
The wind under the door.
“What is that noise now? What is the wind doing?”
Nothing again nothing.
“Do
You know nothing? Do you see nothing? Do you remember
Nothing?"
Estamos no beco dos ratos é uma resposta? É a resposta? Estamos no beco dos ratos e com os ratos? Ou, ousaria mais: Quem são os ratos? Quem somos nós?
Na verdade, para soar mais honesto, é preciso admitir que há mais perguntas do que respostas. Todos nós sabemos que a mente ocidental funciona na maioria das vezes à base do binarismo, (o sistema Windows é o maior reflexo disso). Alguém dirá: pessoas têm sentimentos. Pessoas se machucam. Pessoas fazem perguntas... Outro dirá: Ou isto ou aquilo:
“Do you remember
Nothing?”
B.
“Eu, Tirésias, embora cego, palpitando entre duas vidas,
Um velho com as tetas engelhadas, posso ver,
Nessa hora violácea, o momento crepuscular que luta
Rumo ao lar, e que do mar devolve o marinheiro à sua casa”
De fato é a voz de um pagão que ressoa em todo o texto, isto é o mais óbvio. No entanto, o poeta, um homem aparentemente convertido, pode, usando de uma técnica assustadoramente genial, citar Santo Agostinho porque o poeta enxerga para outro tempo. Diz o que aconteceu no passado (espaço); embora, junto ao passado, dialogue com o futuro (tempo) sobre assuntos eternos (e diversos) para os homens modernos, esquecidos e no beco dos ratos (aí sim no presente): qual é a resposta?
C.
É preciso recordar ainda mais uma coisa: Tirésias não está apenas vivo ou morto: está entre a vida e a morte. Dizer vida e dizer morte é a ponta óbvia da coisa: dizer vida-e-morte é o mais honesto e, portanto, mais acertado.
“... eu não sabia
Se vivo ou morto estava, e tudo ignorava”
I, O Enterro dos Mortos.
No lugar-incerteza.
O poema é divido em cinco partes e na terceira parte (recorde que a commedia como o catecismo, como o mistério da trindade tem três partes), no sermão do fogo, a voz de Santo Agostinho (o grande pagão e convertido) é evocada entre chamas.
Santo Agostinho, Carlo Crivelli |
Burning burning burning burning
O Lord Thou pluckest me out
O Lord Thou pluckest
burning"
III. The Fire Sermon.
O poema não é somente pessimista ou otimista, ou mesmo niilista: é lúcido e a lucidez é algo demasiado estranho para esses dias cinzentos (perdoem outro lugar-comum).
Nota: Não é possível ler Eliot (com alguma qualidade) sem antes tentar compreender o que o mesmo compreendia por tradição. E, obviamente, inserido na cultura americana ou ainda naquela mente elisabetana.
D.
O Triunfo da Morte, Brueghel |
Tudo o que é sólido desmancha no ar
Desde que Eliot apoiou e construiu seus versos sobre os escombros de certa ponte inglesa que desabava, esta tal ponte jamais deixou de cair: vale recordar que há passagens no poema onde o poeta discute, inclusive, questões ambientas:
“O rio não suporta garrafas vazias, restos de comida,
Lenços de seda, caixas de papelão, pontas de cigarro
E outros testemunhos das noites de verão.”
III, O Sermão do Fogo.
Discute aborto e, num tom de filme de terror, revela o terror de uma época em guerra e do que pode fazer está mesma guerra ou a exploração do homem pelo homem ou pela economia, a posteriori.
F.
O poema foi corrigido por Pound: todos sabem disto. Veja a parte do poema que mais sofreu intervenção do touro americano:
IV. Death by Water
Phlebas the Phoenician, a fortnight dead, |
Forgot the cry of gulls, and the deep seas swell
|
And the profit and loss.
|
A current under sea
|
Picked his bones in whispers. As he rose and fell
|
He passed the stages of his age and youth
|
Entering the whirlpool.
|
Gentile or Jew
|
O you who turn the wheel and look to windward,
|
Consider Phlebas, who was once handsome and tall as you.
|
Pound via Eliot via Ivan Junqueira
Flebas, o Fenício, morto há quinze dias,
Esqueceu o grito das gaivotas e o marulho das vagas
E os lucros e os prejuízos.
Uma corrente submarina
Roeu-lhe os ossos em surdina. Enquanto subia e descia
Ele evocava as cenas de sua maturidade e juventude
Até que ao torvelinho sucumbiu.
Gentio ou judeu
Ó tu que o leme giras e avistas onde o vento se origina,
Considera a Flebas, que foi um dia alto e belo como tu.
H.
Pound via Eliot via Ivan Junqueira via Gilson Figueiredo
Phlebas the Phoenician (a fortnight dead)
|
Forgot the cry of gulls and the deep seas swell
|
And the profit and loss
|
A current under sea
|
Picked his bones in whispers As he rose and fell
|
He passed the stages of his age and youth
|
Entering the whirlpool
|
Gentile or Jew
|
(O you who turn the wheel and look to windward)
|
Consider (Phlebas) who was once handsome and tall as you
|
I.
É preciso admitir que nada mais terrível que um escritor infeliz. Os efeitos disto podem ser sentidos enquanto houver gente teimosa disposta a ler o que esta raça fracassada produziu: nesta lógica, o trabalho de Eliot (abstraindo todo discurso clínico que alguns insistem em recordar) é terrivelmente positivo. Certamente literatura não é uma espécie de “tetrafarmacon”: as pessoas não têm obrigação alguma de buscar cura espiritual ou psíquica em textos literários. Todavia e contudo, é necessário recordar que poetas são homens e estes funcionam melhor quando estão vivos. Produzem mais se estão vivos, melhor dizendo.
J.
O xadrez e o teatro estão presentes no poema: os jogos e o cinema. Uma enormidade de alusões a povos e culturas (algumas alusões claras, outras nem tanto assim). Desejaria ter mais tempo para escrever sobre o Tarot e a Ética em The Waste Land. O mundo material e o mundo imaterial estão versados neste poema que ainda não foi totalmente lido com o devido respeito que reclama. Eliot é muito mais que um poeta: é um homem. Homem no sentido mais alto e profundo que a expressão comporta.
L.
As referencias à botânica e às flores não devem ser omitidas. Às cores e à arquitetura: a impressão é que T. S. Eliot era um observador, cuidadoso, do seu tempo e do meio onde habitava. Há tanta solenidade em algumas passagens do poema e descrições que devemos nos indagar se de fato não há uma Liturgia do olhar em Thomas Stearns Eliot: outra questão de que me falta tempo para investigar.
M.
As referencias ao mito e à Idade Média no desejo de construir e demonstrar um mito contemporâneo é muito interessante no poema. Dizer isso, é lugar de curiosidade particular: se de fato há uma pós-modernidade, o poema do Eliot serve para mostrar que houve uma modernidade. São tempos muito parecidos: a mídia e a tecnologia são lugares centrais e separadores de águas para revisão dos tempos. Revisão de uma possível segunda pós-modernidade, inclusive.
N.
É curioso que embora o poema tenha alusões claras ao universo helênico, o drama de ideias se assemelhe muito mais (em essência) ao herói de Virgílio. O Virgílio criticado por Pound e Flaubert. Essa questão me remete ao modo de Eliot pensar a tradição como já dito na observação da letra C. Recordar a letra C obriga-me a continuar este irregular abecedário com um texto onde o próprio Eliot explica sua compreensão de tradição.
O. (ou ainda: uma explicação para a observação da nota C)
Tradition and the Individual Talent (1920)
In English writing we seldom speak of tradition, though we occasionally apply its name in deploring its absence. We cannot refer to “the tradition” or to “a tradition”; at most, we employ the adjective in saying that the poetry of So-and-so is “traditional” or even “too traditional.” Seldom, perhaps, does the word appear except in a phrase of censure. If otherwise, it is vaguely approbative, with the implication, as to the work approved, of some pleasing archaeological reconstruction. You can hardly make the word agreeable to English ears without this comfortable reference to the reassuring science of archaeology.
Certainly the word is not likely to appear in our appreciations of living or dead writers. Every nation, every race, has not only its own creative, but its own critical turn of mind; and is even more oblivious of the shortcomings and limitations of its critical habits than of those of its creative genius. We know, or think we know, from the enormous mass of critical writing that has appeared in the French language the critical method or habit of the French; we only conclude (we are such unconscious people) that the French are “more critical” than we, and sometimes even plume ourselves a little with the fact, as if the French were the less spontaneous. Perhaps they are; but we might remind ourselves that criticism is as inevitable as breathing, and that we should be none the worse for articulating what passes in our minds when we read a book and feel an emotion about it, for criticizing our own minds in their work of criticism. One of the facts that might come to light in this process is our tendency to insist, when we praise a poet, upon those aspects of his work in which he least resembles any one else. In these aspects or parts of his work we pretend to find what is individual, what is the peculiar essence of the man. We dwell with satisfaction upon the poet’s difference from his predecessors, especially his immediate predecessors; we endeavour to find something that can be isolated in order to be enjoyed. Whereas if we approach a poet without this prejudice we shall often find that not only the best, but the most individual parts of his work may be those in which the dead poets, his ancestors, assert their immortality most vigorously. And I do not mean the impressionable period of adolescence, but the period of full maturity.
Yet if the only form of tradition, of handing down, consisted in following the ways of the immediate generation before us in a blind or timid adherence to its successes, “tradition” should positively be discouraged. We have seen many such simple currents soon lost in the sand; and novelty is better than repetition. Tradition is a matter of much wider significance. It cannot be inherited, and if you want if you must obtain it by great labour. It involves, in the first place, the historical sense, which we may call nearly indispensable to any one who would continue to be a poet beyond his twenty-fifth year; and the historical sense involves a perception, not only of the pastness of the past, but of its presence; the historical sense compels a man to write not merely with his own generation in his bones, but with a feeling that the whole of the literature of Europe from Homer and within it the whole of the literature of his own country has a simultaneous existence and composes a simultaneous order. This historical sense, which is a sense of the timeless as well as of the temporal and of the timeless and of the temporal together, is what makes a writer traditional. And it is at the same time what makes a writer most acutely conscious of his place in time, of his own contemporaneity.
No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone. His significance, his appreciation is the appreciation of his relation to the dead poets and artists. You cannot value him alone; you must set him, for contrast and comparison, among the dead. I mean this as a principle of aesthetic, not merely historical, criticism. The necessity that he shall conform, that he shall cohere, is not onesided; what happens when a new work of art is created is something that happens simultaneously to all the works of art which preceded it. The existing monuments form an ideal order among themselves, which is modified by the introduction of the new (the really new) work of art among them. The existing order is complete before the new work arrives; for order to persist after the supervention of novelty, the whole existing order must be, if ever so slightly, altered; and so the relations, proportions, values of each work of art toward the whole are readjusted; and this is conformity between the old and the new. Whoever has approved this idea of order, of the form of European, of English literature will not find it preposterous that the past should be altered by the present as much as the present is directed by the past. And the poet who is aware of this will be aware of great difficulties and responsibilities.
In a peculiar sense he will be aware also that he must inevitably be judged by the standards of the past. I say judged, not amputated, by them; not judged to be as good as, or worse or better than, the dead; and certainly not judged by the canons of dead critics. It is a judgment, a comparison, in which two things are measured by each other. To conform merely would be for the new work not really to conform at all; it would not be new, and would therefore not be a work of art. And we do not quite say that the new is more valuable because it fits in; but its fitting in is a test of its value—a test, it is true, which can only be slowly and cautiously applied, for we are none of us infallible judges of conformity. We say: it appears to conform, and is perhaps individual, or it appears individual, and many conform; but we are hardly likely to find that it is one and not the other.
To proceed to a more intelligible exposition of the relation of the poet to the past: he can neither take the past as a lump, an indiscriminate bolus, nor can he form himself wholly on one or two private admirations, nor can he form himself wholly upon one preferred period. The first course is inadmissible, the second is an important experience of youth, and the third is a pleasant and highly desirable supplement. The poet must be very conscious of the main current, which does not at all flow invariably through the most distinguished reputations. He must be quite aware of the obvious fact that art never improves, but that the material of art is never quite the same. He must be aware that the mind of Europe—the mind of his own country—a mind which he learns in time to be much more important than his own private mind—is a mind which changes, and that this change is a development which abandons nothing en route, which does not superannuate either Shakespeare, or Homer, or the rock drawing of the Magdalenian draughtsmen. That this development, refinement perhaps, complication certainly, is not, from the point of view of the artist, any improvement. Perhaps not even an improvement from the point of view of the psychologist or not to the extent which we imagine; perhaps only in the end based upon a complication in economics and machinery. But the difference between the present and the past is that the conscious present is an awareness of the past in a way and to an extent which the past’s awareness of itself cannot show.
P.
Você leitor preguiçoso e monoglota (Hypocrite lecteur! — mon semblable — , mon frère!) veja a frase que melhor define a visão do poeta que não se limita apenas num exercício de forma cubista. Impõe compreensão mais completa sobre tudo o que se costuma afirmar.
Compreendendo o discurso cubista junto às mascaras africanas (a forma sintetizando todo ideal de modernidade ocidental) — numa possível leitura de Ezra Pound (e forçada) a contrapelo do Eliot — na releitura do Picasso da África que já no passado era o futuro.
De outro modo:
The Waste Land é uma pintura cubista?
1. Observar uma mascara africana é como ler o poema do Eliot.
2. Eis aqui uma descoberta arqueológica.
Ou ainda (e finalmente):
“No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone.”
Q.
"A Beleza é difícil" citou aquele: a Beleza reclama artificio: a dificuldade é tornar ela mesma mais acessível. Mais simples (não simplista, atenção). Eis a minha interpretação para o reverendo Eliot.
P.S 1.: As letras R, S, T, U, V, W, Y e Z foram censuradas por este que vos escreve por temor de enfadar o raro leitor.
P. S. 2.: Deus abençoe.
P. S 2.1.: Como compreender um poema que dialoga com fim e o começo? Um poema que evoca o Paraíso Perdido e Liturgia? O estar-pagão e o arrebatamento cristão? É ambíguo? Há diversas referencias amarradas ou sugeridas no texto (ou como pretexto) que de fato a questão: "Terra Desolada é um poema infinito?" não pode (nem deve ser desprezada :) Fiquem em paz queridos.
Errata: Onde se lê cinema, leia Teatro. Onde se lê terror, leia "modernidade."